Quando pensamos no carnaval de Salvador, a primeira ideia que temos é da alegria que a festa pode proporcionar. Entretanto, pensar em Carnaval, para muitas pessoas, é pensar em fazer a tão conhecida grana extra – ou que se é possível fazer, realizando algumas atividades durante esse período.  O Carnaval de Salvador movimenta todos os anos, de acordo com o setor turístico, mais de 250 mil empregos, injetando R$ 1,6 bilhões na economia. A festa conta com uma média de 16,5 milhões de pessoas transitando nos circuitos, tendo uma média de 250 horas de transmissão de TV e mais de 400 marcas exibidas nos circuitos. A grande questão é: o que esses números significam para as pessoas que precisam fazer uma grana extra? o que isso, verdadeiramente, quer nos dizer?

Para os setores que participam dessa festa sobre outra ótica, é preciso entender a quem essa economia favorece. Quais empregos sobram ou são ofertados para a população negra e, mais especificamente, para a juventude e as mulheres negras? São perguntas fundamentais e que, infelizmente, seguem sem a atenção devida e respostas a contento.

O poeta Gilberto Gil já profetizava em sua canção chamada “A novidade”, que “De um lado este carnaval, do outro a fome total…”. Ou seja, os números apresentados no carnaval de Salvador, não tem sua economia bilionária repartida em fatias que inclua segmentos que verdadeiramente fazem o carnaval. Estou falando dos ambulantes que continuam tendo um tratamento desumano na retirada das licenças e marcas patrocinadoras, que deliberam o que pode e não pode ser vendido e a que preço.

A divisão do carnaval de Salvador, continua fazendo a alegria de empresários, prefeituras, governo do estado, artistas brancos e seus camarotes. Enquanto a massa continua se submetendo a trabalhos que pagam valores vergonhosos, diante de uma maioria que segue refém da divisão hegemonicamente embranquecida e alegre diante do pedindo que “essa fantasia seja eterna”.

Qual é o lugar nesta cidade que pede a continuidade de uma fantasia de exclusão e exploração e que nenhuma empatia possui com pessoas negras?  A continuidade da fantasia que anima os brancos carnavalescos, implica em pessoas pretes pagando valores absurdos e recebendo tratamento vergonhoso para a liberação de seu empreendimento, ou sendo explorado no peso das latas em alumínio que são vendidas em troca de pão e carne?

Qual o preço de segurar cordas tendo idosos, jovens, mulheres e homens em diferentes níveis de vulnerabilidade econômica, ou seja, todes negres periféricos e desempregados?

Não temos dúvidas de que o Carnaval de Salvador é a maior festa popular e uma das mais diversas. A questão é que a construção da festa, tem etapas diferenciadas, a depender de quem é o protagonista. Enquanto os brancos produtores do evento, está consolidando seu nome entre os ensaios de verão e diferentes espaços de conforto e qualidade, as pessoas negras têm o mês de fevereiro como o momento de dormir nas ruas e avenidas do circuito no intuito de garantir seu lugar no verão de Salvador sendo esses lugares por onde a festa passa, o endereço de mulheres negras e seus familiares.

O circuito da maior festa de rua do planeta passa imune ao fato de que essas mulheres sem trabalho digno, remuneração mensal ou carteira assinada tendem a ser as protagonistas do empreendedorismo negacionista. Ainda que seja empreendedora por si, suas aventuras empreendedoras não são assistidas como deveriam e, por isso, seguem tentando a sustentabilidade solo em ruas que identificam sua alegria e reverencia nas diferentes campanhas turísticas e de captação de recursos institucional ou privada.

Trata-se de uma negritude que vende, mas que continua tendo suas benesses sendo direcionada aos brancos do mesmo modo que no Brasil escravocrata.  Falar do carnaval de Salvador, sem pautar como sinaliza Luciane Reis, em sua dissertação de metrado, a dignidade financeira desta população, é ignorar a atuação ativa de suas vendas, seja nos diferentes tabuleiros de acarajés, cachorro-quente, churrasquinho ou a tão famosa “ reciclagem” que para pessoas negras nada mais é do que vender latinhas pelo preço que o atravessador quer pagar.

Para Reis, quando se fala de dignidade financeira e pessoas negras, pauta-se a necessidade destas pessoas terem condições de ganhar o próprio dinheiro, sem passar por situações degradantes ou falta de itens básicos para exercer suas habilidades. Diante destes elementos, pensar as festas de ruas em Salvador durante o circuito do Carnaval, é estruturar a festa levando em conta a vida dessas pessoas, em especial das mulheres negras periféricas, que largam suas casas para literalmente viver nas ruas submetida a todo tipo de violência.

Neste sentido, a falta de um debate adequado sobre o trabalhador negro no Carnaval de Salvador, naturaliza os diferentes modelos de violência a que são submetidos e sustenta um ambiente insalubre de atuação enquanto  trabalhadores e trabalhadoras, já que  durante a festa, esses não possuem condições de  trabalho digna  que a depender do ponto, está exposto a água suja, urina de ratos, pessoas e outros animais (a exemplo das barracas instaladas na Praça Castro Alves, que tinha os banheiros químicos na frente).

Dessa forma, pensar a vida digna dessas mulheres negras e demais trabalhadores durante a festa, é refletir sobre a necessidade de política pública de acolhimento, entendendo que o lugar da alegria como forma de manutenção de vidas, é fundamental. A alegria cantada por baianos e turistas não pode ser eterna, porque ela vem atrelada a um ciclo de violências físicas e simbólicas, que não fazem jus aos números celebrados pelo órgão beneficiado nas diferentes esferas. Assim, para as pessoas negras, o custo da festa acontecer, passa pela desatenção com as condições de trabalho que são submetidas e, em especial, sua invisibilidade durante o Carnaval, logo se tem muito a repensar. Mas, essa é uma outra conversa.

 

MULHERES, FILIEM-SE AO PSB