“Venham ver as flores que do Engenho Velho brotam ”

 

Quero falar aqui da importância das mulheres de Candomblé do bairro do Engenho Velho da Federação, em particular, as mulheres do Terreiro do Bogum, terreiro do qual sou filha.

As mulheres negras de candomblé têm fortalecido seus caminhos, suas vidas através da espiritualidade que lhes sustentam. Os caminhos que elas desejam para suas vidas, para a manutenção da vida de outras mulheres e da sustentabilidade para a juventude negra.

É muito comum ver essas mulheres abrindo as portas dos terreiros, seus templos  sagrados, para receber pessoas amigas e desconhecidas, ouvir, acolher, indicar curar, abrigar…

É muito comum também ver essas mulheres se empenhando em fortalecer a juventude para que ela esteja vinculada ao Candomblé. O terreiro é espaço para aprendizado dessa juventude. Apender o dia-a-dia do cuidar das folhas, do cuidar das águas, do cuidar da casa, do varrer, do limpar. Cuidar do lugar onde se sente Energia Viva, preservar os ensinamentos de respeito aos mais velhos, do cuidado e do respeito às crianças.

Para as mulheres do Terreiro do Bogun não é diferente. As celebrações anuais de lá têm início no mês de janeiro, com funções durante todo o mês, e se estende até meados do mês de fevereiro, quando encerramos o ciclo de festas e fechamos a Casa durante o período de quaresma.

É em janeiro que as filhas da Casa se renovam, se fortalecem e se encantam, e, só a partir daí, essas mulheres iniciam o novo ano. Em janeiro, a sensação é que essas mulheres ficam fortalecidas, ficam mais ávidas pelo conhecimento. Percebemos em suas falas, em seu trato, nas suas roupas, com os pés no chão, o ligamento entre a espiritualidade e a ancestralidade.

Para atender à ancestralidade e à espiritualidade, essas mulheres – Vodunon, Vodunsis, Ekedjis… modificam suas vidas durante todo esse período. Preparam roupas, engomadas e alvas: saias, ojás, panos da costa, calçolão…a roupa dos Voduns. Essas são as vestimentas sagradas que serão usadas durante todos os dias de festa, celebrações e trabalhos até o encerramento das atividades.

O subir e descer no Engenho Velho da Federação é livre!

Durante esse período, muitas dessas mulheres aproveitam para renovar os votos e fortalecer as energias de seus Voduns, Orixás, Inkises através das obrigações ou cerimônias religiosas secretas, onde o resguardo e a dedicação são fundamentais.

Essas mulheres são as guardiãs dos segredos, das tradições e fé nos Voduns, Orixás e Inkises dentro dos seus templos sagrados: os terreiros. Ali onde acontecem os rituais sagrados, também se acolhe, alimenta, educa e sustenta.

Diariamente o entra e sai do terreiro pelas filhas, filhos, adeptos e pessoas da comunidade é constante. O alimento é de/e para todos, independentemente de ser parte da Casa ou não.

Ali dentro dos terreiros muitas crianças e jovens são acolhidos. Sejam aquelas crianças que precisam de cuidado enquanto suas mães vão trabalhar, sejam os jovens que precisam de uma palavra ou acolhimento. A educação é circular e alcança a todos.

Nesse tempo, os terreiros viram casas, escolas, cursos…o lugar de educar, e são elas, as mulheres, que ocupam o papel principal nessa jornada.

As conversas, a escuta, as trocas, as brincadeiras, a seriedade, os sorrisos, os causos, os segredos, a sabedoria são as armas usadas contra o abandono e falta de oportunidade existente nesta comunidade seja Terreiro do Bogum ou o Engenho Velho da Federação.

A elegância do vestir, o trato no acolher, a sabedoria para negociar e resolver são fundamentais para que se mantenha, com muito custo, a dignidade e sanidade dessas mulheres que são exímias acolhedoras, mas nem sempre acolhidas.

É de dentro desses terreiros, envolvidas nesse espaço, que essas mulheres criam forças para lidar com todas as violências, com todas as tempestades e com todas as bonanças.

Pensando em toda força, sabedoria, trato em negociar, empatia na escuta e sensibilidade para se resolver problemas é que me interrogo:

Onde estão as mulheres negras de candomblé na política partidária?

Como se justifica a ausência e invisibilidade das mulheres negras de candomblé dentro dos espaços de poder e decisões dos partidos, tidos como progressistas e de esquerda?

Por que dentro do Engenho Velho da Federação as mulheres negras de candomblé são as matriarcas e aquelas que muitas vezes tomam as maiores e melhores decisões, salvaguardam tradições, mas são invisíveis nesses partidos, ainda que sejam elas aquelas que orientam, quase sempre, os caminhos?

Deixo essas provocações para que possamos (re)pensar os lugares das mulheres negras de candomblé dentro dos partidos, de modo que nos instigue a oportunizar, verdadeiramente, essas mulheres a ocupar espaços no pensar e fazer política partidária neste país.

MULHERES, FILIEM-SE AO PSB