Tuberculose ativa, hanseníase, neoplasia maligna, mal de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave. O rol de doenças hereditárias associadas a fatores raciais é grande, mas a anemia falciforme ainda é o carro-chefe na política de concessão de benefícios aos portadores destas enfermidades. Debate sobre este importante tema de saúde pública será realizado no próximo dia 27 de setembro, na Câmara Municipal de Salvador, organizado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, por iniciativa da senadora Lídice da Mata (PSB-BA).

Para o evento, a senadora mobilizou autoridades, pesquisadores, especialistas em saúde pública e representantes do movimento negro, já que os afrodescendentes representam a maior parcela de vítimas da doença. As estatísticas apontam para a prevalência média da doença entre 1 a cada 380 nascidos vivos, principalmente afrodescendentes, mas devido à intensa miscigenação ocorrida no País, a anemia falciforme também pode ser observada em pessoas de raça branca ou parda. Segundo o Ministério da Saúde, 3 mil bebês nascem com esse mal todos os anos no país. Em crianças portadoras da doença, a taxa de letalidade até os cinco anos de idade é de 80%, quando não há tratamento algum, e de 1,8% quando há tratamento.

Lídice propõe a criação de um cadastro nacional que possibilite estratégias governamentais e acompanhamento médico mais adequado, para reduzir os índices de mortalidade. “Nós precisamos reforçar esse empenho e fazer com que a assistência seja realmente integral, abrangendo todos os estados da Federação e dando a essas pessoas atendimento mais adequado”, disse a senadora, que é relatora do PLS 389/2012, de autoria do senador Waldemir Moka (PMDB-MS). O projeto prevê, entre outros, a concessão de beneficio mensal à pessoa portadora de doença hereditária associada a fatores raciais e inclui a doença falciforme e outras hemoglobinopatias entre as doenças e condições cujos portadores podem ser beneficiados com a isenção do cumprimento de prazo de carência para auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

O debate tem relevância ainda maior na Bahia, estado recordista em incidência de casos, com um caso registrado para cada 650 habitantes. Por esta razão, o governador Jaques Wagner confirmou presença no encontro, assim como os presidentes da Assembleia Legislativa, Marcelo Nilo, e da Câmara Municipal de Salvador, Paulo Câmara, além do secretário de Saúde Jorge Solla e os vereadores Silvio Humberto e Fabíola Mansur.

Como debatedores, foram convidados o pesquisador Mitermayer dos Reis, do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz da Fiocruz-BA; o coordenador do Instituto de Saúde Coletiva (ISC), Eduardo Mota, da Universidade Federal da Bahia (UFBA); a presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Maria do Carmo Brito de Morais; e a representante da Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes (ABADFAL), Ozenilde Batista.

“A anemia falciforme é hereditária e não tem cura, mas existem tratamentos que dão ao doente o direito a uma vida com qualidade e proporcionam maior segurança à família”, afirmou a médica Joice Aragão de Jesus, coordenadora da Política de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde, também convidada para participar do debate. Ela explica que a enfermidade atinge uma parcela da população que, além de negra, é mais vulnerável: mais pobre, que não tem acesso a uma série de serviços, e com menor grau de escolaridade.

A doença falciforme é hereditária e caracteriza-se por uma mutação que faz com que as hemácias (células vermelhas do sangue) percam sua sustentabilidade e, assim, sua forma redonda, assumindo o formato de “foice”, daí o nome da doença. A dor, inchaço nos pés e nas mãos, icterícia, anemia aguda, infecções e alterações bruscas de temperatura são os principais sintomas.

O diagnóstico pode ser feito por meio do teste do pezinho, entre recém-nascidos, ou pelo exame de eletroforese de hemoglobina, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Se for detectada precocemente, a doença, apesar de incurável, pode ser tratada de forma mais adequada logo que a criança nasce evitando, assim, uma série de complicações e até a morte.

Na proposta da senadora Lídice, o “teste do pezinho” poderia servir de instrumento ao cadastro nacional de informações sobre a doença. Dezoito estados do País já oferecem gratuitamente o exame no âmbito do SUS para detecção da anemia falciforme. Nos outros estados, o teste gratuito existe, porém não inclui a anemia falciforme entre as doenças diagnosticadas. Em agosto de 2011, a senadora promoveu, no Senado, audiência conjunta sobre o tema nas Comissões de Assuntos Sociais e de Direitos Humanos. Nova audiência sobre a doença foi realizada em outubro do mesmo ano. Nas duas ocasiões, os debatedores destacaram a demora de se priorizar a questão e observaram a necessidade de o governo criar programas voltados aos doentes de anemia falciforme no âmbito dos ministérios do Trabalho, do Esporte e da Previdência Social.

Projetos – No Congresso Nacional, há quatro projetos em tramitação, relacionados às pessoas portadoras de doenças raras ou hereditárias associadas a fatores raciais, entre elas a anemia falciforme. Além do PLS – Projeto de Lei do Senado 389/2012, tramitam conjuntamente outros dois: o PLS 174/2013, da senadora Ana Amélia (PP-RS), e o PLC – Projeto de Lei da Câmara 133/2011, do deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), que tratam do Plano de Benefícios da Previdência Social para acrescentar benefício para segurado diagnosticado com doença grave. Um quarto projeto relacionado, também do deputado Ricardo Berzoini (PL – Projeto de Lei 07209/2010), prevê o direito à informação do segurado da Previdência Social quanto a resultados de exames médico periciais para a concessão de auxílio-doença.

Na Bahia – Em agosto, o governo do Estado da Bahia instituiu a Política Estadual de Atenção Integral à Saúde da População Negra (Decreto 14.720/2013). Entre as ações previstas estão capacitação e formação de pessoal no setor público para lidar com o tema. A nova política tem como objetivo não apenas tratar com mais eficácia à população negra e parda em suas patologias específicas, bem como fomentar conhecimentos para alcançar um trabalho preventivo que envolva diferentes setores. Outra iniciativa pretendida é a implantação, nas escolas e universidades, de conteúdos programáticos que levem os estudantes a se tornarem profissionais mais preparados para o atendimento à população negra, em atendimento aos objetivos principais da política de respeito à dignidade humana; a não discriminação por motivo de raça, cor, descendência, nacionalidade, origem étnica ou social, gênero, orientação sexual e faixa etária; a universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; e a igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer natureza.