A tragédia ocorrida com o candidato a Presidência da República Eduardo Campos, do PSB, nos remete em primeiro lugar, a dimensão humana da política. Um jovem promissor, corajoso e disposto a trilhar novos caminhos para o aprofundamento da democracia no país, é tragado violentamente pela temporalidade da vida, alertando a todos que política é feita por seres humanos para seres humanos e por isto mesmo possui limites. Na Bahia há um ditado popular que traduz com eloqüência esse tipo de episódio – “… para morrer, basta estar vivo.”. E Eduardo estava vivo. Vivo o suficiente para nos legar a força e a coragem que precisaremos ter, daqui pra frente de forma redobrada, para continuar mudando o Brasil. Este novo caminho que ele tanto ressaltava, salta aos olhos quando olhamos para os lados e vemos o quão restrito é o leque de opção que temos no momento. É bem verdade que estas restrições não possuem origem no momento presente, foi gestado ao longo do período da ditadura militar que se abateu em nosso país e que ceifou centenas de vidas, torturou milhares de pessoas e intimidou  milhões de cidadãos, tolhendo assim, de boa parte da nossa juventude, à época, o desejo de fazer da política um caminho para mudar o Brasil e assim forjar as alternativas necessárias, para que hoje pudéssemos escolher com maior tranqüilidade os destinos do nosso país.

A restrição nas escolhas dentro do quadro eleitoral vigente é visível. De um lado forças políticas lideradas por um partido de centro esquerda que representava a esperança de milhões de brasileiros de que era possível construir um Brasil longe do fisiologismo e do clientelismo e que juntamente com outras forças de esquerda como o PSB produziu avanços importantes, tanto na política quanto na sociedade brasileira nos últimos dez anos, mas que dobrou-se e cedeu ao que tem de mais nefasto e atrasado na política brasileira – o patrimonialismo liderados pelas velhas oligarquias. Em nome de uma governabilidade sem princípios, aceitou o loteamento do estado brasileiro, e entregou o governo e a nossa esperança, de bandeja, aos ditames dos Malufs, Collors, Renans, Sarneys, Barbalhos da vida. E a metástase produzida por este núcleo cancerígeno e poderoso que opera na política brasileira ha anos e anos se tem feito presente com toda a força em nosso país, notadamente nos escândalos que se apresentam dia após dia como os da Empresa Delta, com os senhores Carlinhos Cachoeira e Fernando Cavendish e agora com as empresas do doleiro Alberto Youssef, com fortes ramificações no Poder Legislativo, a exemplo do processo de cassação que o vice Presidente da Câmara dos Deputados, está respondendo por conta das suas vinculações com esta camarilha.

Do outro lado, temos o patrimonialismo travestido de modernidade, mas acompanhado das mesmas práticas e vícios, vide os escândalos do metrô em São Paulo e o mensalão mineiro, ao que tudo indica para cumprir com os mesmos objetivos; apropriar-se dos recursos públicos para o atendimento dos seus interesses privados e liderada por um partido de centro direita, que incrustado em São Paulo imagina poder ditar as regras para todo o país, não apresentando nada de novo para o urgente e necessário processo de aprofundamento da democracia em nosso país. São os representantes da  velha política do café com leite, onde para o pobre sobra apenas o farelo e o desprezo.

Diante de um quadro desses temos que lamentar e muito a perda de uma liderança emergente como a de Eduardo Campos. A surpreendente aliança entre ele a Marinha Silva, ocorrida em fins do ano passado, deixou muita gente animada, pois poderia produzir as faíscas necessárias para uma nova combustão na política brasileira, semelhante a que nos moveu na Campanha das Diretas e que sepultou de uma vez por todas o regime autoritário. Combustão alimentada pelo sonho da juventude que está inquieta com a mesmice da política, com o “embromation” dos políticos tradicionais, sejam eles de direita ou esquerda e indócil com a corrupção, que vai se naturalizando na sociedade brasileira, como se fosse um mal necessário. Combustão fruto da indignação da população que deseja serviços de qualidade na educação, na saúde, no transporte e na segurança, não mais como uma favor das elites dominantes ou de líderes carismáticos mas como um direito conquistado pela cidadania e um dever do estado que arrecada muito e deveria bem geri-los. Combustão que nos levasse a uma mudança para melhor, sem que perdêssemos os avanços do passado mas com os pés, cabeça e olhos no futuro.

É por isto mesmo, a frase dita por Eduardo Campos em sua última entrevista no Jornal Nacional, cai como um mantra em nossas cabeças e mentes – “Não podemos desistir do Brasil”.  Apesar da dor que nos invade, do sentimento de pesar que nos abate e de nossas condolências à família, amigos e correligionários, a maior homenagem que podemos prestar a este grande brasileiro é dar seguimento ao seu trabalho, aos seus sonhos e a sua coragem para mudar o Brasil.

Toca a zabumba que a terra é nossa!

 

Zulu Araújo* 

É baiano, arquiteto, produtor cultural e ativista do movimento negro latino americano. Ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares. É Diretor da Casa da Cultura da América Latina/UnB.